sexta-feira, 30 de maio de 2014

Rumos

Cansei - Ela me disse me olhando firme. - Cansei!
Fiquei assustado, e pus rapidamente as sacolas de compras recém tiradas do porta malas sobre a mesa.
- Cansou de que amor? Que houve? - Ela me olhou indignada, do jeito corriqueiro que fazem as mulheres quando querem que adivinhemos seus pensamentos. 
- Não acredito que você está me perguntando isso!
- Vem cá, me diz o que houve - Tentei puxá-la com leveza pelo braço, pois tratá-la com carinho costumava funcionar nessas horas. 
- Não encosta em mim! - Era grave, percebi no ato. Talvez uma frase de impacto fosse melhor. Tentei. 
- Amor, pelo menos me explica, desabafa comigo. - Eu disse. Ela me encarou, como não costumava fazer. 
- Você quer saber? Quer mesmo saber?! - Fiz que sim com a cabeça, temendo pela resposta.
- Cansei de viver a vida do dia-a-dia, de não jantar em lugares paradisíacos, de não ter você por perto quando mais preciso, de trabalhar da aurora ao crespúsculo, de não gozar toda a vez que faço sexo, de não conhecer o mundo, de não ser quem eu gostaria! Cansei! - Surtou. Pensei. Devia ser a tal da TPM, mas nunca tinha acontecido dessa forma. Fiquei atônito. 
- E você? Não vai falar nada? - Balbucieu dois ou três inícios de frase, mas não saiu nada.
- Sabe por que você não vai falar nada? - Apenas esperei a resposta - Porque você não sabe nada a meu respeito! Você não sabe como eu me sinto, ainda não aprendeu o que me dá tesão e o pior, você sabe de tudo isso e finge que nada existe!
Olha pra você também, pro seu emprego que te explora e te faz fingir que você é feliz. Olha pra gente que finge que é feliz! - Ela estava séria e tudo aquilo fez um turbilhão na minha cabeça. Mas respirei fundo, tentando ser racional.
- E o que você acha que a gente pode fazer? - Foi ela quem respirou dessa vez. Jogou-se no sofá confortável, mas de classe média e me olhou daquele jeito que as mulheres nos olham quando querem nos desafiar.
- Fugir?
- Pra onde? - Ela me sorriu. Sabia minha resposta antes da pergunta. 
- Vem comigo? - Sentei-me ao seu lado no sofá, procurando as melhores palavras. Ela permitiu que eu a deixasse encostar a cabeça em meu ombro. 
- Vem? - Ela insistiu. Beijei sua testa e acomodei-a melhor em meus braços. 
Sem dizermos o que não havia para ser dito, dormimos no sofá desajeitados. Quando acordei percebi que não era TPM, não era surto, mas uma decisão tomada há tempos enquanto eu fingia que nada existia, que não sabia. 
Fugira, sem bilhetes, sem dramas, sem olhar pra trás, apenas porque precisava respirar outros ares e talvez se dar a chance de voltar. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Tempo de Mulher


Com o tempo a gente se perde, esquece que chorar faz bem, que a vida se vive por um fio, que não adianta bater a todo o momento de frente com o mundo.
O tempo nos descasca, descama, desima, desarma, desmonta, desmancha.
Mas que tempo não cura, diga você?
Afinal, que te fez levantar da cama com essa cara de ontem e não lavar bem os olhos?


Que mal te fez guardar essa ramela ao redor das suas olheiras e infiar-se nesse uniforme pra ir estudar?
Com o tempo a gente se ajusta. Passa delineador, descobre o batom vermelho, descobre também que tem que trabalhar.


Descobre porque nasce já no mundo do trabalho, percebe que é só o trabalho quem nos trás independência.
Mas em tempo eu digo. Independência é felicidade? Não importa. Afinal, independência é escolha, é livre arbítrio, é a saborosa dor de escolher.


Se viemos da costela de adão, da macaca, da bactéria, do sopro, da argila, não me importa. Se viemos das chamas, do pó, das nuvens, não sei também.


Importa que o tempo, esse sim nos permitiu não aceitarmos os maridos, os pais, os chefes. O tempo nos permitiu passar batom sem sermos chamada de puta, delinearmos os olhos quando temos vontade, usarmos salto alto enquanto permitirem os joelhos. E o tempo também nos permitiu a recusa.


Mas não nos enganemos, afinal qual recusa é fácil? Qual mudança é simples? Qual mundo é perfeito?
Hoje, bem ou mal há escolhas, basta fortalecê-las e não deixar o tempo as engula novamente.

E eu, eu hoje removi as ramelas, passei delineador e no tom inexistente do meu batom pus tênis, uma calça comprida e fui trabalhar.  

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Notas sobre filmes e sexo

A primeira vez normalmente não é tão boa quanto esperávamos.
A gente só melhora mesmo com a prática, mas teoria é sempre bom pra encorpar e inovar a experiência.
As sensações podem ser as mais distintas possíveis, de êxtase ao asco.
Mas, principalmente, feito com tesão e amor é muito mais gostoso.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Geni do Guarujá

Chico Buarque é mais que um músico, letrista ou compositor (e um par de olhos verdes, e aquela voz). Chico Buarque, ao meu ver, é um antropólogo. Desses que conseguem misturar as palavras fáceis às difíceis e nos fazer aumentar o vocabulário. Geralmente falando de política ou de amor. Chico Buarque consegue escrever de maneira feminina tão bem quanto as maiores autoras feministas. Chico Buarque rules.

Chico é filho de acadêmico e manja dos paranauê social e político. Em "Geni e o Zepelim", resumiu todo e qualquer estudo de sociologia das civilizações contemporâneas. A canção do disco "Ópera do Malandro" é de 1978, tempos em que a ditadura açoitava os grandes compositores. E é, sem dúvida, uma das canções mais completas e complexas do baixinho cabeçudo sedutor.

Geni é um travesti promíscuo aos olhos da cidade - um lugar religioso, hipócrita e moralista. Entre rezas e dedos apontados, Geni valia nada. Quem nunca, em qualquer contexto que seja, não se sentiu uma Geni? Joga bosta, feita para apanhar, boa de cuspir. Todos temos um pouco de Geni dentro de nós.

Agora virando a mesa, quem nunca julgou o que o outro merecia? Castigo, vingança, justiça - entre os notíciários, crimes e condenações, somos todos o padre, o prefeito e o bispo. Somos todos o capitão do Zepelim também, opressor, violento - que se lambuzou com a Geni e zarpou.

Mas não estou aqui para falar se a Geni é a oprimida, se a cidade é moralista, se o capitão do Zepelim estava certo. Deixo isso para os acadêmicos, que aliás, entopem estantes de mestrados e doutorados sobre a faixa de Ópera do Malandro.

Em tempos de Sheherazade, a Geni morava no Guarujá. Era casada, mãe de duas filhas, portadora do distúrbio bipolar. A Geni foi linchada, apedrejada, morta. Geni não foi somente oprimida e usada, mas brutalmente assassinada. Foi exposta das maneiras mais vis por tablóides e emissoras. Não teve o privilégio do silêncio da morte com moscas bicheiras pousando em seu corpo esfolado.

A Geni morreu à toa. Morreu por conta de fanáticos - tais como os da música - que não pensaram duas vezes ao enviá-la à desgraça. A Geni não se chama Geni, não era um travesti, não dormiu com o capitão do Zepelim. Ela ofereceu uma fruta a uma criança e condenada por isso. Apedrejada como na Idade Média, como no Oriente Médio, como a Geni de Chico era todos os dias. A Geni era Fabiane Maria de Jesus.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

5 dúvidas sobre Fio Terra

Não adianta, Fio Terra é tabu, e 95% dos homens acredita que uma dedada no fiofó lhe torna gay.
Então, da maneira mais despretensiosa possível, vamos tentar dar cinco razões para você, menino do sexo masculino completamente heterossexual, para de pensar desta maneira. 






1 - Fio terra é massagem - "Fio terra ou massagem da próstata é o nome dado a uma prática sexual que consiste na introdução de um ou mais dedos, ou algum outro estimulador, no orifício anal durante o ato sexual". Wikipedia

2 - Você tem próstata, ou seja, pode ser que não goste porque acha que isso vai te "transformar" em gay, mas é como uma mulher dizer que não sente prazer no clitóris.

3 - A próstata é considerada por muitos como o correspondente do ponto G masculino

4 - Na antiga Grécia podia, culturalmente era até legal, inclusive em Esparta. E olha que os espartanos eram machos guerreiros

5 - E "peleamordedeus", se você tem medo de virar gay, certamente precisa rever se já não é e está apenas com medo de sair do armário.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Nosso amor de pijamas

A última vez que te vi, veja só, você não estava de pijamas, nem de terno, mas numa camiseta larga e calça jeans. Eu te encontrei por acaso, fumando um cigarro num momento contemplativo.
Conversamos vagamente, e nos despedimos sem cerimônias.
E pensar que eu te amava tanto, e agora mas sei por onde você anda.
A minha vida, como a sua, seguiu; novos anos se passaram, nossas experiências se entrecruzaram pouco, nossos amigos em comum se desfizeram, aos poucos eu nem sei por onde anda seu rastro.

Contudo, aquele cigarro que você fumava me fez ter vontade de voltar a fumar, só pra te beijar de novo. Mas achei aquilo uma bobagem.
Quando lhe beijei o rosto pra dizer tchau, queria ter te beijado na boca, pra poder quem sabe sentir aquele amor que um dia senti.

Só que a verdade é que você não tem mais espaço pra mim, e talvez eu não tenha espaço pra quem você é hoje. Porque nossa amor se esvaiu como a fumaça do cigarro, indo embora contemplativa na direção oposta do vento.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Joga-te #10


do abismo, da montanha, de onde a ponta dos teus pés puder pular.
Joga-te porque viver o amanhã não interessa mais. 
Afinal, talvez amanhã eu chore, ou sorria, ou viva, ou morra, que mais? Apenas jogua-te e não me deixa saber como, quando ou porquê.
É medo? Então diz, feridas ou marcas, quem pode viver sem elas? Diz, porque talvez eu deva lhe dizer que o que senti um dia não sinto mais, o que sinto agora nunca senti.
Por isso, fecha os olhos e não escuta a ninguém, nem a mim, nem a ti. Caminha reto, respira fundo e pula! Pula o mais alto que a ponta dos teus pés puder alcançar!
Joga-te, deixa que o vento te leva e que a vida corra por nós. Afinal, se cairmos cada um para o lado talvez apenas eu desabe enquanto tu choras. Que importa? Afinal, tudo que se quebra se conserta, dá-se um jeito.
Deixa ir, abstrai; quem não se fere não vive e enquanto o tempo cura, juntam-se os cacos, levanta-se e vai.
Por isso não pensa, não olha pra baixo. Venha, mê dá a mão e pula comigo. 
Afinal, o futuro é tão incerto, talvez nem precise ser assim. Quem sabe o céu esteja limpo e a gente voe, pouse e siga por um caminho tranquilo e, mesmo oposto, incapaz de nos deixar mais que apenas lembranças.